Checklist de encantos
- Daliane Azevedo P. Guimarães

- 19 de jul. de 2024
- 3 min de leitura

Dias de junho, dias de julho. Ano? 2024. O que dizer do meio do furacão? Reclamar, lamentar, destituir, culpar, nomear o tempo, distrair as dores, colorir o opaco, esperar passar, enfrentar. Temos todas as possibilidades e das mais diversas, sempre saímos diferentes.
Alguém especial sai do hospital, depois de um susto, de esperas e com a malinha cheia de histórias. Coleguinhas de quarto, risadas boas e promessa de escrita. O bom humor é uma moeda que só as melhores pessoas possuem. Com mérito para aquelas que sabem possuir e melhoram a vida de quem está próximo.
Reencontro minhas amigas colegas, depois de um pequeno intervalo – que insistimos em chamar de férias. E pessoas, muitas pessoas, uma manifestação da nossa categoria. Professores que lutam para que a lei seja cumprida, que os direitos sejam realmente respeitados e no meio de tudo, alguém nos conta sobre ecumenismo na sua vivência de quatro anos na África (em Guiné-Bissau). Arrepiante, reflexivo, contato, escuta ativa, (des)encanto e (in)certezas.
Na última semana do meu estudo semestral, conversei com professores e colegas sobre a semelhança entre o cronista e o fotógrafo. Confessei a eles que o meu ser pessoa, com as características mais peculiares – tem tendência à escrita e que bom que descobri cedo. Há muita cura quando “se descobre” a melhor companhia de si mesmo, por intermédio das palavras. Terei sempre muitas pessoas em mim, incorporadas a quem me tornei. E o meu texto, caracterizado tão carinhosamente como “marca pessoal”, não pode ser só meu. Tanto a foto quanto a crônica, são recortes estupidamente pessoais e coletivos.
Entre as amigas, o filho de uma delas: Lorenzo. Ontem completou oito anos de vida. Amoroso, feliz, sensível, autista não verbal e o mais especial: possui um olhar contemplativo. Sua história de superação é contada por sua mãe: Rosana, e para além das palavras, a energia deles juntos já nos diz muito sobre não perder o encanto. Um dia, escreverei um livro sobre as evidências de se viver o amor – sem pronunciar uma só palavra, de cantar sussurrando barulhinhos bons, de enxergar o céu e refletir com olhos espelho e, outros tantos tons que pouco aprendemos, pois, a nossa voz ecoa mais alto. O título? O olhar de Lorenzo!
Na volta pra casa, depois de quase três horas aguardando um ônibus – encontro uma família. Da mais idosa ao mais jovem, conversamos todos e me senti acolhida. Contei da minha profissão e o que fazia ali, eles compreenderam o contexto e me fizeram rir das tantas histórias de viagem. A vovó – olhando no meu olho disse: “Menina, o povo anda feito formiga – e se você fosse mais adiante, minha neta teria companhia até o final da viagem!” – Que leitura ela fez do mundo! Que confiança ela teve em mim! A intuição feminina fala de um jeito assustador, principalmente quando se enxerga livre. Seguimos viagem e por um instante, a conversa pareceu nos encantar. Sem nomes, apenas formigas movimentando num mundo de propósitos.
São recortes de muitas horas ansiosas, difíceis, mas surpreendentemente encantadoras. Sigo encontrando motivos para caminhar e sugerir aos meus passos, continuidade. Tenho tanto pra ver, viver e entender. E se você leu até aqui, tenho absoluta certeza que se lembrou das gotas de afeto, dos semblantes bons, das saudades certas e da possibilidade de acolher o desconforto e colher ali dentro uma esperança – indescritível e possível.
“Um amigo leva a gente pra longe, mesmo se a gente se esconde. (...) Silêncio e abraço faz viver, faz a gente renascer.”
Ziza Fernandes – Música: Para ser Amado




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