
Para o deleite sincero dos olhos teus
- Daliane Azevedo P. Guimarães

- 27 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Desde que nascemos, há uma expectativa diante de nós, sobre cada aspecto de evolução – desde os primeiros esboços de sorriso ao engatinhar, amamentar, responder aos estímulos externos. É da natureza humana aguardar os avanços do outro e a presença ou falta deste, geram incontáveis sentimentos – dos mais distintos.
A vida e o olhar alheios parece exigir de nós uma perfeição crua, como se não nos interessasse os erros, as quedas, as lutas cada vez mais pessoais, na medida que tivermos espaço para vivenciá-los. E cultivar amor próprio parece ser luxo, como se o dever fosse primeiro e só agradar “o outro”.
Uma sociedade doente, feita de pessoas insanas, (in)sensíveis, ferindo-se por muito pouco. Custa-me entender pra quê chegamos neste ponto.
Ingrid Carla convida-me a escrever sobre as pressões sociais relativas à perfeição, em suas diversas direções. E me deparo com tantas inversões, contradições, relações pedantes e não saberia mais caracterizar tanto do que exigem para sermos considerados “pessoas”.
Padrão para beleza, comportamento, escolhas, relações, sexualidade, estudos e direções. Como se pudéssemos colocar numa caixinha, cada molde para cada canto. E tudo que fugisse disto, de alguma forma não pudesse se enquadrar no normal, no branco, no potente, no lucro, na inteligência capitalista das horas.
Chego mais perto ainda, quando menciono o “ser mulher”, composto de tantas fases e possibilidades – justo aquela que primeiro se colocou numa caixa: de obediência, benevolência, mansidão, responsável somente pela criação dos seus. Esposa cega do marido encaixotado no provedor, macho e também machucado pelo machismo que ainda em nossos tempos impera. Velados direitos de casar-se e ser feliz, como se o casamento pudesse ser a salvação para a cura das incompreensões internas, juvenis e impossíveis de dialogar com outros tantos pontos.
Fico a pensar em como seríamos mais evolutivos se soubéssemos que o valor e a busca de si próprio compreendem os passos primeiros para o sucesso que rodeia quem realmente quer viver e ser feliz! Agradar-se, aceitar-se, construir-se pode ser um desafio tão promissor e autêntico que força um movimento surpreendente, daquele de verdade, que trabalha no aparar das arestas, no pequeno, no contato e vai gerar um entorno possível de acolhimento.
É lindo enxergar alguém se movimentando e o entorno mudando seu compasso. A ditadura da beleza, do caminho, da escolha, do comportamento, da infância, do feminino, do masculino, da velhice, da subida, da aceitação do diferente... precisa ser ditada sem sombra de dúvida pela alegria de existir.
Como é bonito enxergar a negritude brasileira assumir seus cachos, o pobre encontrar o lugar de fala, a criança encontrada como ser pertencente, o adulto potente em seus intentos e dissabores, o olhar dos maduros na mudança de interpretações, o homem se dissolvendo em pais e maridos perfeitamente imperfeitos na missão de educar e deixar-se livre...
Amarras foram feitas num tempo em que se pensava e se acreditava estar no controle. O alheio precisa encontrar o seu lugar, os encaixes são tantos e talvez o seu não seja o meu ou pelo menos o que quero pra mim. O interessante é que se não nos prendem nas grades reais, inventam os preconceitos e desacertam de novo as tentativas de libertação. É luta diária mesmo, escolha de caminhos e pessoas que te libertem do caos interno de cobranças e não o inverso disso.
O que é tóxico deve ser evitado e se ainda não o foi, a pressão interna precisa se alimentar na direção oposta. O autocuidado, o investimento numa mente bem condicionada ao gosto, às preferências, “aos espelhos positivos” que é necessário buscar, ensina-nos diariamente a persistência, o processo, o não desistir. Não tem certo, mais rápido, mais puro, mais real, glorioso, promissor... o que temos pra hoje, misturado à honra de ser “próprio” pode valer uma vida ou várias vidas, mensuradas pela régua das possibilidades, das diferenças, da inteligência de ser quem se é, quem se quer, do sabor que escolher para o deleite sincero dos olhos teus!






Amei o tema e as verdades contidas no texto!🌹😘🌻
Que palavras indeléveis e leves!! Obrigada!
Que crueza de verdades encapsuladas em palavras sensíveis e acertivas!!! Amei Dali!!!